Entre a Ideologia e a governabilidade: resultados das eleições presidenciais, medidas impopulares e o lado em que ficará o Governo Dilma

Finalizadas as eleições de outubro de 2014, onde a candidata Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), sagrou-se vitoriosa nas urnas contra o senador psdebista Aécio Neves, os eventos que ocorreram posteriormente nos servem de matéria para análise, a começar pelo desempenho da candidata petista neste pleito eleitoral. A citada “vitória”, entretanto, teve gosto amargo, para alguns analistas políticos saiu até com certo sabor de derrota. A margem apertada de votos, pouco mais de 3 milhões de diferença para Aécio, demonstrou a fragilidade, não só da campanha, mas, principalmente, do resultado de 04 anos da gestão Dilma Rousseff à frente do Planalto, o suficiente para alimentar os sonhos e a esperança da direita em retomar o principal cargo político do país em 2018.

O resultado destas eleições só não foi diferente por, no mínimo, quatro fatores fundamentais para a confirmação do PT e de Dilma em mais 04 anos no comando do país: 1 — O efeito Lula 2 — A militância de partidários do PT e de importantes movimentos sociais 3 — A sombra do passado do PSDB à frente do país, aliado a um dos piores quadros que poderia ter sido indicado pelo partido tucano para disputar estas eleições e, por fim 4 — as denúncias de corrupção na Petrobras, aliados ao pífio crescimento econômico do país nos últimos anos.

O ex-presidente Lula, quer queiram ou não os seus aliados e/ou opositores, é um dos maiores líderes políticos com vida no Brasil e na América Latina, com força política suficiente para influenciar os resultados das eleições no país (não tenhamos dúvidas, Dilma deve seus dois mandatos à força do nome de Lula). Nas regiões Norte e Nordeste (onde houve maiores avanços nos indicadores sociais na última década) a influência do ex-presidente Lula ainda é algo muito espantoso, mesmo após sair do poder há 04 anos. Possivelmente, se estiver com vida e gozando de boa saúde, será um dos fortes candidatos para a sucessão presidencial de Dilma em 2018, onde já se especula como quase certa esta possibilidade dentro e fora do PT, em função da atual ausência de nomes competitivos dentro do partido. Nas outras regiões esta influência é bem menor, mas existe e pode fazer diferença em estados importantes como Rio de Janeiro e algumas regiões de São Paulo (no tradicional reduto do ABC Paulista, onde Lula fez escola como dirigente sindical, entre as décadas de 1970 e 80).

A militância petista (diminuída em número, paixão e, principalmente, em ideologia nos últimos anos) também teve grande participação neste resultado eleitoral, seja nas ruas, onde tradicionalmente chamou a atenção desde a primeira candidatura de Lula à presidência da República, em 1989, seja nas redes sociais, onde a guerra de insultos, acusações e propaganda político-partidária entre lados opositores foram intensas durante quase todo o período eleitoral. Setores da esquerda política e movimentos sociais, contemplados com algumas importantes pautas históricas (cotas raciais, reforma agrária, ampliação de bolsas e financiamento estudantil, direitos humanos etc.) e com receio do retorno do PSDB ao Planalto, também optaram pela candidatura de Dilma no segundo turno (no primeiro turno, estes votos foram disputados com outras campanhas e candidatos mais à esquerda, a exemplo da expressiva e honrosa votação obtida pela candidata do PSOL, Luciana Genro, o que deu a ela a nada desprezível quarta colocação nestas eleições, representando uma significativa e simbólica vitória para a esquerda tradicional no Brasil, diante de campanhas milionárias e de pautas tão conservadoras, que atraíram os votos de uma parcela igualmente conservadora da sociedade brasileira). Esta participação também foi estratégica para a manutenção de Dilma no Poder.

As eleições presidenciais, desde 1994, foram polarizadas entre PT e PSDB. O PSDB levou a melhor em duas oportunidades e o PT nas últimas quatro eleições. Apesar de usar recorrentemente a lembrança da suposta criação do Plano Real (cito “suposta”, pois, este foi motivo de muita discussão entre dois ministros da fazenda, à época, Ciro Gomes e Fernando Henrique Cardoso, onde este último soube capitanear melhor a seu proveito a ideia de “pai do Real”. Todavia, lembremos que o Plano Real foi criado no Governo do então presidente Itamar Franco, pelo PRN, e não pelos governos tucanos), do controle da inflação e da criação de programas sociais focalistas (a exemplo do Bolsa Escola, Vale Gás, etc.), o que realmente ficou de saldo dos dois Governos de FHC e do PSDB foram as medidas de redução do Estado, a partir de reformas neoliberais, privatizações, redução de direitos da classe trabalhadora, arrocho salarial, desemprego, crises econômicas, fome e miséria. Aliado a este péssimo retrospecto da gestão tucana à frente do Governo brasileiro, a decisão pela escolha do senador tucano Aécio Neves (PSDB-MG) não poderia ser pior. Apesar de ser de uma tradicional família de políticos de Minas Gerais, tendo o seu avó, Tancredo Neves, chegado a ser eleito presidente da República, nas eleições de 1984 (mesmo não assumindo o mandato, devido a seu fatídico falecimento logo em seguida às eleições), Aécio Neves é cercado por vários escândalos e manchetes, mais especificamente em sua vida pessoal do que política, e que vão desde agressões a mulheres e supostos problemas com o uso de drogas, até infrações de trânsito como dirigir embriagado e sem habilitação. A fama de “bad boy” também foi um fator que não expirava confiança em parte significativa do eleitorado brasileiro, o qual até queria mudança na atual direção política do país, mas, não enxergava essa mudança positiva em Aécio Neves. Há quem diga que se os candidatos tucanos fossem outros (a exemplo dos atuais Governador e Senador pelo Estado de São Paulo, Geraldo Alckimin e José Serra, respectivamente) o resultado das eleições poderia ter sido diferente. Em todo caso, o PSDB e parte das demandas mais à direita do país, saem fortalecidos desta eleição e, a depender dos rumos que serão tomados pelo atual governo petista, além do impacto causado por uma inevitável renovação no eleitorado mais jovem do país (o qual acompanhou os 12 anos de PT no poder e não viveram ou não se lembram do que foram os 08 anos dos governos tucanos de FHC), o retorno dos psdbistas ao comando do país pode estar mais próximo do que se imagina.

No quarto e último motivo que elencamos, é inegável que a massificação e, até mesmo, certa espetacularização das denúncias de corrupção na Petrobras e em outras estatais, promovido por vários veículos de comunicação de massa no período eleitoral, exibidas quase que diariamente nos principais telejornais do país e em jornais e revistas, serviram de munição para a campanha contra a reeleição de Dilma e seus aliados. A corrupção, que de certo, não foi criada nem praticada pelos governos petistas (por já estar na tessitura política e econômica do país desde nossas origens) foi mais desnudada neste momento e governo, envergonhando e revoltando os brasileiros que viram bilhões de reais serem subtraídos da empresa símbolo de brasilidade e que, infelizmente, não foram destinados para a melhoria dos serviços públicos, a exemplo da saúde, educação, segurança pública, melhoria de estradas e saneamento básico. A estagnação da economia também pesou contra o Governo e influenciou na expressiva votação da oposição nas eleições de 2014, revertendo-se em seu apertado resultado.

Essa exposição de fatores reunidos (além de outros que não analisei aqui, em virtude do tamanho que este texto já atingiu) é que fundamenta uma análise de conjuntura para uma pergunta: Para que lado penderá o segundo Governo Dilma Rousseff?

Pressionado pelos setores mais à direita (“bancada da bala”, religiosos fundamentalistas, banqueiros, ruralistas e demais setores empresariais) e que se fortaleceram nas últimas eleições, o Governo começa a anunciar várias medidas que retiram os direitos trabalhistas e previdenciários da classe trabalhadora brasileira. As Medidas Provisórias nº 664 e 665, editadas ainda antes de ser iniciado o segundo Governo de Dilma Rousseff, em 30 de dezembro de 2014, materializam os interesses da classe econômica e politicamente dominante, indicando mais uma ofensiva na retirada de direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores no Brasil. As medidas anunciadas atingem diretamente tanto aos trabalhadores ligados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo INSS, quanto aos servidores públicos, além dos segurados especiais (pescadores). A meta do Governo é “economizar” (à custa dos trabalhadores, e não da burguesia) cerca de 18 bilhões nos próximos anos. Toda esta movimentação está sendo feita de forma altamente autoritária, sem qualquer iniciativa por parte do Governo em sentar com os trabalhadores (através de suas representações sindicais) e discutir estas propostas. E o que é pior, estão sendo feitas após a presidente Dilma, então candidata à presidência da República, ter prometido que não iria mexer nos direitos dos trabalhadores, comprometendo-se com as entidades sindicais e demais movimentos sociais de que não haveria “nenhum direito a menos” e que “nem que a vaca tossisse” haveria tal retrocesso, o que já vem soando para muitos de seus eleitores e apoiadores como um “estelionato eleitoral”, um ato de traição da presidente, destruindo, inclusive, os rumos ideológicos que deram origem ao Partido dos Trabalhadores, ainda no início da década de 1980.

Há que se mencionar ainda uma peça-chave nesta grande engrenagem que se articula para a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários no Brasil: os “parlamentares federais”, ou seja, os deputados federais e senadores. É certo que o mal tem uma origem (Governo Federal), mas, o Parlamento nacional tem o poder de veto, o chamado “voto de Minerva” que decidirá se estas MPs serão aprovadas ou não, se serão na íntegra ou parcialmente aceitas, etc. Deputados federais e senadores, eleitos pelo voto popular, terão tanta responsabilidade quanto o Governo na desestruturação das políticas de proteção social ao dos trabalhadores brasileiros e suas famílias. As manifestações, protestos, pressões e repúdio da sociedade também deverão recair sob estes agentes políticos, sejam de oposição sejam da base aliada, pois, eles poderão ou não compactuar com mais esta afronta à classe trabalhadora nacional. Eles devem ter a clara ciência das repercussões de seus atos e votos no Congresso, a respeito desta temática, e lembrar que a presidente Dilma já garantiu os seus quatro últimos anos de política com mandato, mas, que tanto senadores quanto deputados federais não têm limite de mandato para tais cargos e, mais à diante, estarão submetendo os seus nomes, mais uma vez, à apreciação popular. Em no máximo 120 dias, contados da data de publicação das MPs 664 e 665, saberemos quais são os parlamentares que estão contra e os que estão a favor dos milhões de trabalhadores e trabalhadoras brasileiros que serão prejudicados caso estas duras medidas venham a passar.

O fato é que a “disputa” de posições e interesses já começou e tende a se intensificar durante todo o “novo” Governo. De um lado as articulações políticas, as pressões, ameaças, chantagens e demais negociações em Brasília já foram iniciadas, oferecendo de bandeja a tão sonhada “governabilidade” que buscam incessantemente vários governantes (e a presidente Dilma não é diferente disto) em troca dos “favores” de sempre (cargos e etc.). Do outro lado estão as forças mais progressistas, em grande parte fragilizadas por certa desilusão, apatia, desmobilização e cooptação ocorrida nos últimos anos e que, se não se reorganizarem coletivamente para enfrentar estas e outras medidas neoliberais de desresponsabilização do Estado, poderão ficar a ver o cavalo encilhado passar adiante e perder a oportunidade de monta-lo. Em outras palavras, é preciso uma imediata conscientização da classe trabalhadora, a partir dos seus movimentos sociais e instrumentos de luta mais legítimos, no sentido de organizar as suas bases e ir de encontro ao pacote de maldades que está em curso em Brasília. Da mesma forma que 2014, o ano de 2015 já começa sendo muito difícil e desafiante para os trabalhadores do Brasil, onde o enfrentamento será inevitável e somente com uma grande, forte e organizada mobilização nacional, construída coletivamente pela sociedade brasileira (principalmente pela classe trabalhadora) é que a correlação de forças poderá ser equilibrada e alterada a nosso favor. Do contrário, o imobilismo nos reservará um irreversível cenário de perdas de direitos historicamente conquistados para as atuais e para as futuras gerações de trabalhadores brasileiros. A hora é de reorganizar e lutar!

*Júlio César Lopes e servidor público federal, assistente social do INSS em Sergipe, mestre em Sociologia (UFS), diretor e secretário de formação política e sindical do SINDIPREV-SE. É também membro do Comitê Gestor Nacional de Avaliação de Desempenho (CGNAD/INSS), representando o segmento dos trabalhadores pela CNTSS/CUT.

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