São Paulo – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, da “reforma” administrativa, foi criada para, entre outras justificativas, superar “privilégios” no serviço público. Mas levantamento preliminar divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, vinculado ao Ministério da Economia) mostra que o setor tem muitas desigualdades salariais, como no conjunto do mercado de trabalho nacional. Além disso, concentra as maiores remunerações no Judiciário, que não foi incluído na PEC.
Instalada na semana passada, a comissão especial que vai analisar o mérito da PEC fará sua primeira reunião na próxima quarta-feira (16). No mesmo dia da instalação, parlamentares da oposição e representantes dos servidores entregaram um abaixo-assinado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pedindo suspensão da tramitação do projeto. Até hoje, o abaixo-assinado estava com mais de 131 mil assinaturas.
De acordo com a nota técnica, divulgada em maio e assinada por oito pesquisadores, de 11,5 milhões de vínculos de trabalho no funcionalismo em 2018, um quarto recebia até R$ 1.566, menos de dois salários mínimos daquele ano (R$ 954). Além disso, metade ganhava até R$ 2.727. E 90% tinham salário de até R$ 8.894. “Quase 90% do funcionalismo do país recebe valor igual ou menor que 80% dos servidores do judiciário federal”, diz o Ipea.
Diferenças do federal ao municipal
Considerado apenas o Executivo municipal, um quarto dos servidores recebia até R$ 1.300 e metade (um terço de todo o funcionalismo brasileiro), até R$ 2.060. Em 90% dos vínculos, o salário recebido era de no máximo R$ 5.500. Já no estadual, esses valores eram de R$ 2.200, R$ 3.600 e R$ 9 mil, respectivamente.
As maiores remunerações do Executivo, incluindo civis e militares, estão no nível federal. “O recrutamento de servidores com ensino médio, em que a média salarial é quase 50% inferior à remuneração média mensal dos servidores com ensino superior, se reduziu significativamente nas últimas décadas, especialmente no serviço público federal”, informa o Ipea. “Por outro lado, diversos estudos analisam o diferencial salarial público-privado, que apontam, em geral, grande heterogeneidade”, acrescenta o instituto.
No primeiro quartil (25%), o salário é de até R$ 3.500. Metade ganha até R$ 6.200 e 90%, até R$ 17.400. O estudo mostra ainda, por exemplo, que os 10% com menor remuneração na área federal ganham 87% a mais em relação à municipal. No funcionalismo, lembra o Ipea, “há predomínio das ocupações ligadas ao Direito e à área de finanças e tributação entre os maiores salários, enquanto os menores estão vinculados a atividades operacionais e prestação de serviços manuais”.
Políticas públicas específicas
Os pesquisadores ressaltam a necessidade de abordagens próprias para cada segmento, a fim de se evitar generalizações e distorções. “Em outros termos, existe, para além das grandes diferenças nas realidades práticas e problemas peculiares de cada segmento ou grupo ocupacional do serviço público, que reclamam políticas públicas específicas, diferenças salariais que apontam ser a heterogeneidade o padrão. Portanto, tal heterogeneidade deve ser levada em conta para que políticas mais focadas e ajustadas às necessidades e problemas observados em cada segmento sejam mais realistas.”
A PEC da “reforma” administrativa foi objeto de análise do consultor legislativo Luiz Alberto dos Santos, advogado e técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que criticou a proposta governista. “Poucas vezes se viu o Poder Legislativo diante de proposição tão mal construída e elaborada, e com tantas possibilidades de danos potenciais ao Estado e à sociedade, embora travestida do rótulo de ‘reforma’ e com um discurso ‘moralista’, modernizador ou de eficientização da Administração Pública para lhe dar sustentação”, afirma no parecer.
Falhas conceituais e desmonte
Para ele, a PEC mostra “total impropriedade”, com “gravíssimas falhas conceituais, a sua precária elaboração e incapacidade de conduzir a um resultado positivo, mas sim ao desmonte do regime jurídico único, da estabilidade no cargo e das possibilidades de um serviço público profissionalizado e protegido de desmandos e arroubos”.
Ainda segundo o consultor, o projeto “nada traz de positivo ou inovador, porque discrimina o servidor público, porque fragiliza a sua relação com o Estado, porque destrói o pouco até aqui construído em termos de sistema do mérito, porque retira direitos e impõe limitações, porque aumenta o poder discricionário do governante, porque retira garantias dos cidadãos, porque fragiliza o regime federativo, porque fere direitos e garantias individuais, e porque afronta a separação dos Poderes”.
Confira aqui a íntegra do estudo preliminar . E aqui a análise sobre a PEC 32, da “reforma” administrativa.
Fonte: Rede Brasil Atual